Como
poderá o mau sono em bebé ter alguma relação com o potencial de
Hiperactividade na infância?
Desde
que iniciei o estudo aprofundado na área comportamental do sono do
bebé e da criança que a hipótese da existência de uma
relação entre
os problemas de sono e a hiperatividade é-me evolutivamente clara,
ao mesmo tempo que tem motivado a minha investigação na área, e
orienta a minha prática.
Tenho
noção de que a informação e o “boom”
da evolução científica tem também como reverso, criado mais
insegurança junto dos pais, que agora se tornam mais conscientes da
importância das suas práticas, mas que injustamente nem sempre são
devidamente acompanhados e ajudados para desenvolver as suas
competências de acordo com a informação. Apenas bombardeados com
aquilo que “devem” ou não “devem” e com as assustadoras
consequências dos seus, na grande maioria das vezes, genuínos atos
de amor,
os pais devem ser apoiados na fortificação dos seus recursos e não
na “prescrição” de “receitas” do que
é melhor para os seus filhos. No entanto, acredito
que é necessário informar os pais, e não considero que é na
ignorância de conteúdos que reside a segurança, mas sim, nas
escolhas e opções com conhecimento de causa.
Alguns
estudos recentes têm demonstrado efetivamente, que rotinas
desajustadas de sono, sono insuficiente e de má qualidade, assim
como desregulação das sestas, estão relacionados com o transtorno
de défice de atenção e hiperatividade, sendo
por isso também a sua causa e não apenas a sua consequência,
efeito ou sintoma (Shur-Fen
Gau, 2006; Lee et al., 2014; Chiang et al., 2010; Konofal,
Lecendreux & Cortese, 2010)
Estes
resultados vêm confirmar muitas das minhas reflexões e conclusões
que resultam de inúmeras observações naturalistas, na minha
prática com os Pais em suas casas. Para além disso, vêm mais uma
vez intensificar a importância do bom sono para o melhor
desenvolvimento do bebé e da criança, e a necessidade
desta área ser dignificada como um campo fundamental de estudo e
intervenção precoce,
não só para o aumento da qualidade de vida das famílias e dos
bebés, mas também para a prevenção de problemas futuros, entre
outros, o da Hiperatividade e Défice de atenção.
Eis
as razões porque acredito que “não ensinar a dormir” como um
bom hábito, desde a estruturação basilar do Ser- Enquanto bebé-,
pode aumentar o risco, de em criança, se desenvolverem problemas
associados à hiperactividade e défice de atenção:
Quando
o bebé não dorme bem o que acontece nos momentos que passa
acordado?
Na
minha génese de metodologia assente no diagnóstico pela observação
naturalista e co- implementação com os Pais tornou-se fácil
concluir que quando o cérebro está cansado, ou seja, quando o bebé
mostra sinais de sono, por cada momento que passa sem estar a dormir
após estes sinais, vive cada vez menos tempo em qualidade. O bebé
de forma repetida (ou crónica) chora e resmunga, apresentando pouca
ou nenhuma concentração e proveito em qualquer atividade (ajustada
à idade). A cada menos tempo de sono que faz, menor é a qualidade
de aprendizagem, e maior a exigência de distração que o bebé
necessita, para que simplesmente não chore.
Um
bebé privado de sono requer por isso, demasiadas e constantes
respostas por parte dos pais para se manter minimamente
“bem-disposto” por mais do que alguns minutos. Além de
exaustivo, pode perigosamente degradar a qualidade da relação
parental e do vínculo, que é essencial. Os
cuidadores tornam-se mais impacientes, menos disponíveis para a
relação, mais cansados, e normalmente, mais frustrados...
Porque
é que um cérebro sobrecarregado de estímulos ou excessivamente
cansado impede que o bebé durma o que precisa?
Por
outro lado, e confirmando o efeito “bola de neve” (ou “pescada
de rabo na boca”) o bebé que está cansado, por
não estar a dormir o que precisa, vive e experiencia muito mais
estimulação e informação do que o seu cérebro poderá processar
de forma tranquila no sono.
O que se observa é que mesmo quando o bebé adormece poderá não
atingir com facilidade a passagem continuada entre ciclos
circadianos, ficando predisposto a acordar em sono leve. Fazendo um
ciclo de sono normal (45minutos), o bebé estaria naturalmente em
sono profundo aos 25-30 minutos após adormecer, e não acordaria nem
ao som de aplausos. No entanto, por hiperestimulação em momentos
acordados, estes períodos de sono leve, tornam-se assim mais longos.
O bebé nesse caso fica altamente predisposto a acordar e a chorar a
qualquer barulho, interrompendo facilmente o seu sono (excluindo
outras variáveis que enraízam o despertar antecipado). Por sua vez,
isto vai influenciar o bebé a dormir menos e pior. Nesse contexto, é
típico que as sestas do bebé se possam padronizar na duração de
30 minutos ou ainda menos tempo.
Quando
o bebé não dorme, o que tipicamente se faz para que este esteja
bem-disposto?
Lembre-se
que um bebé que não foi ensinado ou a quem não se ajudou a
promover os melhores hábitos para dormir, poderá apenas por essa
razão apresentar mais dificuldade em adormecer ou permanecer a
dormir pelo tempo saudável e ajustado às suas necessidades. Apenas
por essa razão, tenderá a estar mais tempo acordado. Mas o seu
cérebro continuará cansado, a sua irritabilidade aumentará e
fá-lo-á necessitar de ser distraído constantemente para que não
chore. Serão então necessários estímulos evolutivamente mais
fortes para o distrair do choro. Os pais preocupados procurarão
todas as estratégias para que o bebé acalme, recorrendo muitas
vezes a estímulos desajustados e acessórios como ipads, televisão,
colo constante para que o bebé veja tudo em movimento, um “ banho
“ de objetos estimulantes (luzinhas, brilhos, tremeliques, etc.).
Obviamente que os pais estão exaustos porque o bebé não dorme, sem
disponibilidade emocional muitas vezes para considerar que, estão
eles mesmos presos num conjunto de respostas ao choro, de curto
prazo, que adensarão o problema, tanto de sono, como de futuro
comportamento do bebé, hábitos e proveito de atividade. Esta
falta de disponibilidade (por parte de Pais cansados) irá estar mais
próxima de condicionar os pais na sua paciência para ensinar o bebé
a desenvolver os seus recursos e aptidões de médio longo prazo, de
descanso por exemplo, que reactivamente aplicarão de forma mais
constante soluções de curto prazo, mas que adensarão o problema de
sono.
Quantas
vezes já nos deparámos com situações padronizadas deste género,
aparentemente inofensivas?
-
O bebé a ser continuamente abanado no carrinho para que não chore,
até mesmo quando já não está a chorar há algum tempo (O
resultado prático para o bebé é distração pelo movimento do
mundo envolvente, o mundo sempre em agitação).
-
O bebé ser distraído com bonecos, livros ou brinquedos para que
abra a boca e coma um pouco melhor.
-
O bebé a ser abanado para dormir, sem chorar.
-
O bebé que está na cadeirinha de tremelique,
com a música ligada, a projecção de luz de estrelas, 5 bonecos de
cores, texturas e brilhos diferentes caídos na sua frente, uma tv
ligada de fundo, e um cuidador esmerado que agita uma roca na sua
frente.
-
A criança que é posta num local de atividade, muito tipicamente na
sala, com “centenas” de brinquedos estimulantes indiscriminados,
amontoados, jogos e livros, a televisão ligada nos desenhos animados
que mudam a 10-15 minutos, e ainda, pelo meio, um surto de
publicidade.
-
O desabafo:” Só consigo ter uns momentos de paz quando a ponho em
frente à televisão”.
Estes
são apenas alguns exemplos de estratégias bem-intencionadas,
aparentemente naturais e inofensivas, mas acima de tudo
compreensíveis, por parte dos cuidadores, mas, que sendo
apenas respostas de curto prazo para que o bebé se acalme ou não
chore, além de não resolverem o que está na base da rabugice ou
choro, não estimam a capacidade de aprendizagem do bebé.
Estes recursos não o permitem concentrar-se na verdadeira
aprendizagem, que no fundo desejamos que fortaleçam, e não criam as
melhores condições de comportamento a longo prazo.
Desde
quando é que a vida em ritmo natural que se conquista os aborrece?
Se calhar nunca os aborreceu, mas enquanto “cérebros exaustos”
não foi fácil retirar satisfação do ritmo natural e bem mais
calmo que a vida tem, com tempo para aprender a fazer tudo da melhor
maneira (comer, dormir, brincar). A prática
e a orientação devem ser feitas desde cedo, no sentido de
ultrapassar as dificuldades através da concentração e da
aprendizagem, e não da distracção como recurso face à
dificuldade. Para isso é preciso haver condições para a pro-acção,
que melhor se alcançarão com a regulação dos ritmos e uma prática
que igualmente estima e ensina os melhores hábitos de descanso (sim,
ensinar a dormir bem como elemento a considerar igualmente).
É comum os pais, por desconhecerem a importância da estruturação
da aprendizagem e importância dos hábitos ao longo do primeiro ano
de vida, possam desistir nas primeiras dificuldades e choros do bebé,
assumindo que o bebé poderá não ter capacidade para aprender.
Muitas vezes os pais não estão confiantes do que o bebé precisa, e
isso é largamente mais observável quando os pais não tomam parte
ativa na regulação dos ritmos do bebé, e se deixam antes ser
orientados pelo ritmo errático do bebé, ainda inexperiente.
Inadvertidamente
e desde a base da sua vida, os nossos bebés estão a ser distraídos
para as mais básicas aprendizagens estruturais! Porque nos admiraria
que mais crescidos, tenham dificuldade em concentrar-se?
Ou até mesmo não saibam dormir, acalmar, comer, esperar, ouvir,
entreterem-se sozinhos sentindo-se seguros? Porque se tornaram
exaustivos e tantas vezes insatisfeitos? O que aprenderam afinal? Ou
melhor, o que sem querer lhes ensinámos e se arrastou rapidamente
até à infância?
Como
isto se pode repercutir para depois dos 12-15 meses?
O bebé ao viver nesta privação de sono ao longo do seu primeiro
ano de vida, terá razões suficientes para ter enraizado hábitos
pouco salutares de atividade, de relação, de sono também, podendo
obviamente influenciar a qualidade da sua alimentação diurna.
Condicionados por um cérebro cansado em tempo acordado, e por
respostas a curto prazo dos pais, altamente estimulantes desde cedo
para que não chore, baseiam-se agora na sua “fórmula” conhecida
de brincar, e se sentir bem. Dessa forma, desenvolvem um baixo índice
de satisfação e tolerância à frustração com predisposição
para saltitar de superfície em superfície, de brinquedo para
brinquedo, de jogo em jogo, em muito pouco tempo, sendo frequente
ouvir o desabafo “ele tem muita dificuldade em concentrar-se numa
brincadeira ou atividade por mais de 1 minuto”, ou “ ou nada o
satisfaz de facto por muito tempo”. É normal que os índices de
concentração do bebé sejam inferiores em termos de capacidade, em
relação a um adulto, mas é também verdade que só aumentam para
os seus níveis possíveis a cada idade, caso se proporcionem as
condições e orientação por parte de quem cuida e educa.
Resumindo,
se antes o seu cérebro não tinha capacidade para se concentrar em
algo, por estar cumulativamente cansado, hoje, mesmo tendo mais idade
e logo mais capacidade (e menos necessidade de horas de sono em
relação aos primeiros meses de vida), simplesmente poderá não ter
hábito
ou tendência
de se satisfazer doutra forma.
O
recurso à televisão, se não foi introduzido até então, é agora
usado como um falso apaziguador, afinal os pais estão também
cansados, o que é perfeitamente compreensível. A televisão não é
um “bicho” e terá conteúdos até bastante interessantes para
crianças, no entanto, o hábito da sua exposição padronizada deve
ser evitado até aos 18-24 meses, segundo vários estudos concluem, e
não será difícil compreender porquê. O
uso excessivo de televisão muitas vezes está ligado à criação de
nocivos hábitos de interação passiva que não ajudam o bebé ou
criança a desenvolver competências estruturais. É importante que
aprendam a socializar, a saber brincar mais e melhor, a reforçar a
confiança em
voltar a tentar e lidar com a pequena frustração, a concentrar-se
numa tarefa, a saberem ouvir e confiar.
Para além de interferir negativamente com estas aquisições, a
exposição excessiva à televisão pode também introduzir
dificuldades em aprender a acalmar, a mudar de ritmo para dormir, e
na retenção de atenção em estímulos que exijam esforço mental
por mais tempo gradual. Por não desenvolver os seus próprios
mecanismos internos basilares, todas
as tarefas que não envolvam elevado nível de estimulação passiva
(sem esforço e sem “distração”), e que obriguem à organização
ou concentração, poderão ser pouco aprofundadas e vivenciadas como
desagradáveis e acentuadamente aversivas, normalmente manifestas com
choro e “luta”.
Por conseguinte, vão ser tendencialmente evitadas pela irrequietude
constante de procurar um novo estímulo, nova actividade, nova
distracção, manifesta em choro ou birra, ou outras vezes de forma
insustentável e aparentemente irreversível na capacidade de
resposta dos pais.
Ensinar
a dormir é uma parte significativa de prevenção dos distúrbios
emocionais e de comportamento- um bom investimento para a estrutura
cognitiva e emocional da criança
Na
minha modesta opinião, ensinar a dormir desde cedo é sim, parte da
prevenção a problemas de sono, mas que condicionam também
diagnósticos mais complexos.
Quem
trabalha “o sono”, não trabalha só com, e para o sono, e deve
ajudar os pais, e trabalhar junto dos bebés, em todas as outras
áreas fundamentais para o desenvolvimento equilibrado (alimentação,
atividade, vínculo emocional/relação de confiança, cognição,
comportamento, etc.). O bebé não se desenvolve harmoniosamente
apenas “à conta” de um campo de desenvolvimento. E não basta
apenas ensinar a dormir. Não esqueço essa condição enquanto
responsabilidade e coerência, das quais me faço acompanhar
diariamente no meu exercício profissional e foco.
É a noção constante de que o sono é uma das bases fundamentais
para o desenvolvimento, mas que não dispensa a análise atenta de
outros áreas do bebé/criança que influencia e pelas quais é
influenciado, que me faz acreditar numa intervenção completa,
responsável, sensível, aprofundada e atenta junto das famílias.
Dessa
forma acredito e sustento-me em evidências, não só da experiência
que registei ao longo dos anos, como de também de estudos
científicos que advertem para a
hiperestimulação nos bebés, reforçando que a mesma, além
de
agravar os seus problemas de sono,
é também consequência inadvertida do mau sono.
Tem repercussões no comportamento que devem ser prevenidas,
abordadas e tratadas.
Muito
se tem falado na facilidade com que se medicam as crianças, com
estudos já a surgir também sobre os malefícios futuros destas
terapêuticas. Como alternativa, reforço que é
urgente trabalhar na prevenção, junto dos bebés e das suas
famílias, demonstrando sim, que a qualidade de sono é uma peça
basilar do desenvolvimento,
bem-estar
e qualidade de vida, que promove o vínculo afetivo, a concentração
e o maior rendimento a todos os níveis e para todos.
E
se prevenir maus hábitos de sono ajudasse a diminuir a prevalência
de abandono escolar, défices de atenção e até problemas
emocionais na adolescência? E se tratar problemas de sono evitasse
um diagnóstico futuro de hiperatividade?
Começa
a ser evidente a necessidade de se reformular as políticas de saúde
e aumentar as respostas aos problemas dos nossos bebés, não só os
afetos ao sono! É fundamental abraçar
os benefícios da prevenção
e
da intervenção precoce perante os desafios do novo contexto da
parentalidade. Mantenho
a crença e trabalho com a certeza (também de forma privilegiada com
os meus filhos) que as crianças que dormem melhor poderão ter
melhores condições para um desenvolvimento equilibrado,
estruturação do seu sentido de felicidade, e assim maior facilidade
enquanto adultos, de viver todo o seu potencial.
Referências:
Shur-Fen
Gau, S.
(2006).
Prevalence of sleep problems and their association with
inattention/hyperactivity among children aged 6-15 in Taiwan. Journal
of Sleep Research,
15(4),
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Lee
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JH, (2014). Sleep and cognitive problems in patients with
attention-deficit hyperactivity disorder. Journal
of Neuropsychiatric Disease and Treatment
17(10),
1799-805.
Chiang
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(2010) Association between symptoms and subtypes of attention-deficit
hyperactivity disorder and sleep problems/disorders.
Journal
of Sleep Research,
19(4):535-45.
Konofal,
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Lecendreux,
M.,
Cortese,
S.(2010).
Sleep and ADHD. Sleep
Medicine
11(7), 652-8.